domingo, 15 de janeiro de 2012

BANHO DE SANGUE ANUNCIADO




  Leia os textos que explicam bem a realidade que o bairro Pinheirinho está vivendo e assista o vídeo no final do texto.  
                             



pinheirinho (Foto: Nilton Cardin/AE)


Pinheirinho, um banho de sangue anunciado
A sociedade brasileira não suporta mais um outro Carajás, foi o que me disse Carlos Marcio, motorista de uma kombi carregada de pneus recolhidos numa borracharia de São José dos Campos e levados para fortalecer as barricadas no bairro do Pinheirinho, que vive há uma semana sob a tensão de a qualquer momento ser invadido por tropas de choque da polícia militar, cumprindo determinação da juíza Marcia Loureiro, que exige a saída de 9 mil sem teto do local. Carlo se referia ao massacre de Carajás, na década de 90, no Pará onde 17 sem terras foram covardemente mortos pela polícia daquele estado.
No banco de trás da kombi, praticamente espremido entre os pneus, Jeferson Cunha, morador há sete anos no Pinheirinho,pai de três filhos lá nascidos, diz que se tiver de sair do local onde com sacrifício construiu sua casa, não tem para onde ir. Ir para a rua com três crianças? Prefiro morrer resistindo.
Nossa chegada ao Pinheirinho foi rápida pois nesse dia não encontramos policiais fazendo blitz pela longa avenida que leva até a ocupação dos sem teto. Dentro do Pinheirinho, mesmo sob a tensão provocada pela decisão da juíza, o clima era de calma. Porém, em todo lado era possível encontrar pessoas preparadas para resistir à ordem de desocupação e invasão policial.
Na longa cerca estendida em torno da ocupação, grandes faixas vermelhas mostravam palavras de ordem e resistência. Não bastando os fios de arame farpado da imensa cerca, ainda havia um infinidade de lanças de bambu pontiagudas estendidas sobre elas e voltadas para o lado de fora. A ideia, conforme me disse um resistente encapuzado, é fazer com que essas lanças impeçam a entrada da cavalaria dentro do Pinheirinho. E ele concluiu: se no Vietnã, os americanos foram derrotados com muitas armas de bambu, por que isso não pode acontecer aqui?
E por falar em resistente encapuzado, foi possível ver centenas deles rondando pelas vielas e andando vigilantes pela extensão da longa cerca de arame farpado. Todos portando alguma arma rústica de madeira ou lanças de bambu pontiagudo. Em uma mão , a lança. Na outra, um escudo plástico, geralmente de cor azul, que se consegue fazer cortando ao meio um tambor geralmente usado para armazenar produtos químicos.
No bolso da calça ou da camisa, todos guardam grandes estilingues, coisa que no interior qualquer garoto usa para caçar passarinhos mas, no Pinheirinho, junto com bolinhas de gude guardadas numa certa embalagem construída a partir de garrafas pet, servem como uma segunda arma para defender a ocupação. Já o montador de moveis E.S.A. se destaca entre os que ostentam alguma arma. Ele conseguiu fabricar alguma coisa parecida com uma longa espada medieval, um cabo de ferro maciço e uma lamina realmente ameaçadora. Morro mas não saio daqui, diz ele.
Mesmo as mulheres, que não são poucas no Pinherinho, nos últimos dias estão também preparadas para receber a polícia. Tanto quanto os homens, elas também portam longas lanças ou pedaços de madeira com pontas de metal extremamente perigosos. Um garoto que não tinha mais de doze anos, também portava um pedaço de madeira trazendo amarrado na ponta um artefato de metal.
Durante a tarde dessa sexta-feira, não se sabe de onde veio a informação de que uma tropa de choque da polícia militar estava se dirigindo ao local. De imediato, os moradores convocados para o primeiro enfrentamento com a polícia tomaram seus postos. Formou-se um imenso batalhão, homens, mulheres, jovens, todos perfilados e obedientes ao comando. Muitos deles encapuzados e, até por cima do capuz, também usando capacetes de motoqueiros, meio mais eficaz, segundo eles, de se defenderem das balas de borracha da pm.
Mas a informação era falsa e tudo voltou ao normal.
Mas nem só com armas rústicas se faz a resistência no Pinheirinho. Empunhando a Bíblia e falando para umas quarenta pessoas, o pastor pentecostal Marcos Rubens da Silva condenava a injustiça e pregava a resistência dizendo ser da vontade de Deus que todos tenham moradia. Marcos é morador do Pinheirinho e já foi usuário de crack. Hoje prega a palavra de Deus e congrega numa igreja que possui 60 membros. Segundo ele, além da igreja da católica, outras oito igrejas evangélicas possuem trabalho de evangelização no local.
Conversando com inúmeros moradores, apesar do grande ânimo em fazer a resistência e não sair do local, deu para perceber um desencanto generalizado quando se trata de esperar alguma coisa do Estado e suas autoridades. O morador do Pinheirinho fala claramente que tudo o que ele precisa depende apenas dele e de sua luta.
Lívia M. F, trabalha recolhendo material reciclável pelas ruas de São José tem razões de sobra para não esperar nada do Estado e de suas autoridades. Na semana passada, quando a policia ocupou por doze horas o bairro, revistando pessoas e vasculhando duzentas casas sob a alegação de combater o tráfico de drogas, ela viu policiais abordando dois moradores que iam para o trabalho, revistá-los e mexer desrespeitosamente em suas coisas. Para completar o serviço, um dos policiais pegou a marmita de um dos trabalhadores, abriu e atirou tudo na lama.
A sociedade brasileira não suporta outro Carajás, foi o que disse Carlos Marcos dirigindo em alta velocidade uma Kombi carregada de pneus que servirão para muitas das barricadas que a PM terá de vencer se quiser mesmo tirar nove mil pessoas do Pinheirinho.
Mesmo que seja verdade, será que São José dos Campos e o Vale do Paraíba vão suportar quase dez mil pessoas sendo tratadas como dejetos sociais, jogadas na rua, apenas para satisfazer os interesses do mercado imobiliário da cidade mais rica do Vale do Paraíba? Onde irão comer, beber e dormir, enfim, viver decentemente as mais de 1400 crianças moradoras do Pinheirinho?
Certamente a decisão da juíza que decretou a saída de nove mil pessoas do Pinheirinho foi tomado sob circunstâncias muito especiais, ou seja, dentro de um gabinete vulnerável às pressões do mercado imobiliário e às tramas políticas que ignoram propositalmente a vida pobre e dramática da população.
Diante de tamanha insensibilidade, não será surpresa se a polícia com todos os seus estoques de balas de borracha, gás lacrimogêneo, spray pimenta e tantas outras armas que desmobilizam e humilham os trabalhadores resolva cumprir mais uma vez esse papel inconstitucional de fazer guerra contra a parte mais miserável do povo.
Pelo que vi no Pinheirinho, se não houver um acordo que considere os direitos dos mais pobres terem ao menos uma casa para abrigar suas famílias, vai correr sangue grosso no Pinheirinho. E não será sangue só dos que lá estão morando há quase dez anos. Também correrá sangue dos que são treinados e condicionados a obedecer ordens burras e estúpidas, como os policiais militares.
Em tempo: pode parecer exagero ou uma imensa falsa impressão. Não sei porque (ou sei?) ao chegar hoje pelo final da manhã na ocupação do Pinheirinho, logo me veio à memoria a tragédia de Canudos, no sertão da Bahia.

Silvio Prado
Ajudante de pedreiro, mas já se considerando desempregado, pois  nos últimos dias ausentou-se do trabalho para tomar os cuidados para o confronto que se anuncia com as tropas da PM que,cumprindo ordens da juíza Márcia Loureiro, com certeza invadirão o pobre e miserável bairro.
Longe dali, os filhos estarão em segurança. O que Roberto não conseguiu foi convencer Rosemara de que “a coisa vai pegar fogo, vai  correr sangue, vai morrer gente”. Ela me diz que como outras mulheres, vai participar da resistência. “Só saio da minha casa morta”.
Na residência também simples de um casal da vizinhança, mais ou menos localizada a uns cinqüenta metros onde vivem Rosemara e Roberto, a idéia é a mesma. Seus  moradores, Sueli e Reginaldo, tem o mesmo ponto de vista. “Se sair do Pinheirinho, onde vou morar? Só saio daqui pra ir pro cemitério”, diz Reginaldo.
Ao seu lado, a mulher balança a cabeça confirmando e apoiando a decisão do marido. Sueli é empregada doméstica, Reginaldo, metalúrgico desempregado, faz bico de segurança em casas noturnas de São José.
Marcelo, um dos três filhos do casal, 17 anos, cursa o ensino médio numa escola estadual e me diz que junto com outros jovens de sua idade moradores no Pinheirinho, inclusive mulheres, estão no esquema organizado para resistir aos ataques da polícia.
Foi nesse grupo de jovens que Marcelo ouviu falar pela primeira vez em coquetel Molotov, aprendeu a prepará-lo e a  lançá-lo com uma certa eficiência. Para quem  foi por uns dois anos goleiro de um time de juniores da região, atirar um Molotov é tão simples quanto arremessar uma bola na direção de um ala descendo em velocidade contra o gol adversário, diz o jovem.
Um dos problemas da família de Marcelo  talvez seja também um problema de muitos moradores do Pinheirinho que tem parentes  trabalhando na polícia. O irmão de Sueli, cabo da policia militar fez uma visita a família na semana passada e não escondeu que estava tenso. E se ele for escalado para participar da desocupação?
 Ele  revelou que entre os policiais da São Jose dos Campos existe um “clima de tremedeira” pois todos sabem que, além de enfrentar trabalhadores tão pobres quanto eles, ainda tem o inconveniente de que muitos desses trabalhadores,mesmo usando armas rústicas, dominam como ninguém técnicas de guerrilha bem conhecidas.
Para evitar que policiais acabem se intimidando diante da força dos sem teto do Pinheirinho, corre a notícia (nunca confirmada) de que a tropa que tentará desocupar o local será composta por policiais  que trabalham em São Paulo e não possuem a mínima informação sobre o poder de fogo do inimigo e nem sabe da história de lutas do bairro.
Policiais que moram em Taubaté, Pindamonhangaba e outras cidades da região não querem nem ouvir falar em atuar na desocupação do Pinheirinho. Eles sabem muito  bem que uma coisa é uma ação contra criminosos. Bem diferente,  é enfrentar gente disposta a morrer para defender sua casa, mesmo que seja pobre e mal construída. Mesmo cumprindo suas horas rotineiras de trabalho, os policiais da região a qualquer hora podem ser chamados para participar da batalha contra os sem teto do Pinheirinho.
“Sei que eles estão armados até os dentes. Como é que a gente vai fazer? Lá ( no Pinheirinho) tem milhares pneus formando  barricadas e que poderão ser incendiados. Já pensou uma tropa cercada por paredões de fogo de pneus? Aquela gente, além de revoltada, tem técnicas de guerrilha, conhece o terreno onde mora  e não tem só barricadas de pneus. Tem também dúzias de coquetel Molotov, rojões aos montes e talvez tenha até pólvora estocada.E mais: são quase três mil pessoas, armadas, que dizem suportar por três dias os ataques de qualquer tropa de choque. Pior ainda: muitos deles se consideram injustiçados e humilhados pela truculência policial nas blitiz e nas revistas que todo dia se faz sobre  gente pobre. Essa hora, para muitos deles, também é a hora da vingança” foi o que me disse um oficial recentemente aposentado e que conhece como ninguém a “situação militar” do Pinheirinho.
“ Cansei de fazer  relatório sobre aquela ocupação. Até o governador do estado conhece detalhe por detalhe do Pinheirinho. Aquilo é um barril de pólvora, e a justiça escolheu a policia para acender o seu pavio”,  foi o que me disse o oficial aposentado que trabalhou durante anos na região, mas atualmente vive na Grande São Paulo.

Silvio Prado




Um comentário:

  1. O cara pode afrontar a ordem com coquetel molotov, lanças e outras armas letais, mas se a polícia desferir um único soco, ah, vira vilã!

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